21 de mar. de 2008

Facing Death: face to face

Lenneth não temia a morte. Já a vira de perto tantas vezes que não se impressionava mais. Seus pais morreram quando ele tinha apenas cinco anos, vítimas de uma praga que assolava a região. Passou, então, a viver com os seus tios numa vila ao sul da Espinha do Mundo.

Junto com Lenneth e seus tios, vivera sua irmã mais velha, Laya. O que o garoto não sabia na época era que a moça era uma filha bastarda de seu pai e esse era um dos motivos pelos quais os seus tios maltratavam tanto a garota. Pouco após o garoto completar treze anos, Laya fugira da vila e Lenneth nunca mais a viu. Seus tios diziam que ela tinha fugido para o leste e que se o inverno não a matasse, os orcs o fariam. Ou, com muita sorte, ela chegaria viva em Lua Argêntea - onde seria uma mendiga pelo resto da vida.

Um ano se passara desde a fuga da irmã quando a vila foi repentinamente atacada por um batalhão de orcs. Os invasores puseram fogo a casa de seus tios, mas o garoto conseguira escapar; do lado de fora, Lenneth pôde ouvir os gritos dos dois enquanto as chamas consumiam lentamente sua casa e suas vidas.

O garoto aprendera cedo que a morte existia em todo lugar e em muitas formas e que era inútil fugir dela. Ele decidiu, então, dominá-la. Tirou a vida de inúmeros indivíduos, até se tornar íntimo com a morte - manipulando-a com a facilidade que um artesão usa os instrumentos de seu ofício.

Lenneth não temia a morte. Até aquela noite.

Não foi difícil para o assassino escalar até uma das janelas da Casa que havia sido deixada aberta. A mulher que dormia nesse primeiro quarto parecia bastante gorda e o seu ronco podia ser ouvido a uma distância de muitos passos - Lenneth se perguntou se algum homem pagaria um cobre sequer por uma noite com ela.

Deixando qualquer distração de lado, o assassino esgueirou-se até a porta e chegou silenciosamente ao corredor. De acordo com as informações que coletara, o seu alvo dormia num quarto nesse mesmo andar. Caminhou por alguns minutos envolto por um silêncio mortal até encontrar o que procurava:

- Quarto 27. - sussurrou Lenneth abrindo um sorriso malévolo.

A porta rangeu de leve quando o assassino a abriu, por um segundo ele pensou que poderia ter sido descoberto, mas tranquilizou-se quando o único som que ouviu foi o respirar suave de sua vítima. O pequeno quarto estava fracamente iluminado por uma vela que a mulher deixara no criado ao lado da cama. A luz era suficiente para Lenneth notar o quão voluptuosa era a forma sob o lençol. Teve vontade de descobri-la, mas logo percebeu que era insensato fazê-lo, poderia acordá-la ou pior: hesitar em matá-la. Decidiu que teria tempo para observá-la quando estivesse morta.

Lenneth levou o punhal acima dos seios palpitantes da mulher e com um golpe rápido e preciso pefurou o lençol e atingiu o seu coração. Pouco pôde se ouvir além de um gemido abafado. Logo o sangue ensopara as cobertas. O assassino limpou casualmente o seu punhal em um lenço que trouxera consigo - estava satisfeito por ela ter morrido sem gritar, como fazia a maioria das mulheres diante da morte. Não pôde, contudo, conter sua curiosidade e puxou abruptamente os panos que a escondiam.

A mulher possuía, de fato, um corpo exuberante, agraciado por curvas generosas que devem ter despertado a cobiça de muitos homens, mas Lenneth ficara hipnotizado por seus olhos - que se arregalaram diante da morte. O tempo pouco mudara aqueles olhos e aquele rosto nos últimos dez anos.

- N-não pode ser... - a expressão do assassino era de completo pavor.

O cadáver diante de Lenneth pertencia a sua irmã, Laya. Uma explosão de lembranças e perguntas ecoou na mente do assassino. A única pessoa pela qual ele nutrira algum afeto fora morta por suas próprias mãos. Aturdido pelo acontecimento, Lenneth só voltou a si quando olhou para a mão direita do corpo e viu um anel de ouro em um dos dedos. Qualquer dúvida sobre o que fazer evaporou imediatamente de sua mente, só houve espaço para um sentimento, um único desejo em Lenneth naquele momento: vingança.

Três dias depois acharam o corpo do mercador e de dois de seus guarda-costas em um dos aposentos da estalagem Galeão Dourado. Os guardas apresentavam apenas marcas de golpes precisos na garganta. O cadáver do mercador, contudo, estava num estado bem diferente: havia inúmeras punhaladas e queimaduras dos pés à cabeça. Além disso, em uma de suas cavidades oculares estava inserido um anel de ouro onde antes deveria haver um de seus olhos.

...

Lenneth encarava seu reflexo borrado na água do mar. Havia algo inexplicável que o puxava para baixo, de encontro ao seu reflexo, de encontro ao seu fim. Virou-se para o lado, onde a sua máscara estava jogada e depois olhou para a roupa que vestia - completamente manchada de sangue - e suspirou. Tomou o punhal em suas mãos e passou alguns minutos observando-o atentamente. "Quantas vidas foram encerradas por essa lâmina?" - ponderou.

- Mais uma vida, ela precisa tirar. - sussurrou o assassino.

Segurou o cabo com as duas mãos e apontou o punhal contra o seu peito, estremecendo ao sentir a lâmina fria tocar a sua pele. Olhou para o céu e viu a lua rodeada por um cardume de estrelas. Olhou para o mar uma última vez e viu uma constelação de peixes se afastar de sua imagem borrada. Fechou os olhos, respirou fundo e segurou a arma com mais força. O fim chegara para o assassino.

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Inspirografia:

-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.

12 de mar. de 2008

Murdercraft

Lenneth observava cada movimento da cidade abaixo, mesmo contra o vento frio da madrugada, seus olhos raramente piscavam. Ele sabia que muita coisa acontecia nas ruas de Luskan após o pôr-do-sol. Sobre o teto daquele prédio abandonado, ele podia testemunhar vários fatos que em outros lugares atrairiam a atenção das autoridades e seriam punidos pela lei, mas naquela cidade eram coisas do dia-a-dia.

A torre na qual Lenneth se alojara já fora um dia um templo dedicado a algum deus da honra e justiça. Fácil imaginar porque o prédio estava agora abandonado e em ruínas: Luskan é uma terra infértil para esse tipo de fé. Graças as lendas de que as almas dos antigos sacerdotes vagam pelo local, a torre só é frequentada por aqueles que tem negócios escusos para tratar. E para algo ser considerado escuso nessa cidade... deve-se imaginar o pior.

Transeuntes e templos mal-assombrados não preocupavam Lenneth. Sua atenção esteve voltada durante toda à noite para uma grande mansão à sua frente, a Casa dos Prazeres. Era um dos prédios mais antigos da cidade e também um dos mais protegidos. Lenneth não deixou de sorrir quando pensou sobre a ironia do templo e o bordéu ficarem tão próximos e do primeiro ter ruído enquanto o segundo floresceu. Madame Alessandra era sem dúvida a mulher mais poderosa de Luskan, administrando o seu negócio com mão de ferro e tendo o respeito de todos os lordes piratas da cidade.

Lenneth desceu a torre quando viu a última chama se apagar dentro da mansão e os guardas se afastarem. O serviço deles havia acabado por aquela noite, mas o daquele homem esguio e soturno estava apenas começando. Sua vítima estava lá dentro, sem a menor idéia do que estava por vir.

O homem de roupas escuras e máscara de pano era um assassino de aluguel e seu alvo atualmente era uma das cortesãs da Casa. O mercador que o contratou mencionou algo sobre "a porca suja precisar morrer" ou "lavar minha honra", mas Lenneth nunca prestava atenção nessas partes da conversa. Só tinha duas coisas que ele queria saber: quem e quanto.

- É uma das mulheres de Madame Alessandra - disse o mercador - A desgraçada roubou um anel de família da última vez que estive lá. Quero que você me traga de volta.

O assassino ouviu tudo impassível e aparentemente sem ser afetado pelas palavras de seu contratante. Num piscar de olhos, contudo, ele levara seu punhal à garganta do homem, muito antes de seus guarda-costas conseguirem desembainhar suas espadas.

- Você está zombando de mim, velho? - disse Lenneth furioso - Acha que eu sou algum batedor de carteira? Pareço um assaltante de beco para você?

Lenneth puxou violentamente os cabelos do velho com uma das mãos e deslizou levemente o punhal pelo pescoço dele com a outra, fazendo um corte superficial. Os guardas-costas do mercador haviam empunhado suas espadas, mas estavam aturdidos demais com a cena para tentarem qualquer reação.

- M-me, me solte - balbuciou o velho miserável - e-eu pago adiantado, e-eu pago o dobro...

- Mande os seus lacaios soltarem suas armas e você viverá para fecharmos o acordo. - disse o assassino calmamente.

- F-façam o que ele pediu - murmurou o velho.

- Mas, senhor... - hesitou um dos guardas.

- Soltem suas espadas! - gritou o mercador.

Os guardas obedeceram imediatamente. Antes mesmo de se ouvir o som do metal das espadas caindo no chão, Lenneth libertara abruptamente o velho, empurrando-o contra uma parede. Os guardas vieram ao auxílio de seu patrão enquanto ele, ofegante, se recuperava do susto.

- Invadir o território de Madame Alessandra envolve um risco alto - disse o assassino - Eu quero o triplo: duzentas moedas pela morte da mulher, duzentas moedas pelo anel e mais duzentas pelo insulto que me fez.

O mercador sabia do alto risco de lidar com Lenneth, mas o susto que levou não deixou dúvidas sobre a eficiência do assassino. Sabia que escolhera o homem certo para o serviço.

- Combinado. - respondeu o mercador já recuperado - Vou pegar o seu adiantamento - disse fazendo menção de deixar o aposento.

- Não. - respondeu friamente o assassino. - Não aceito ouro por alguém vivo.

O mercador ficou muito surpreso com a resposta.

- Nos encontraremos em quatro dias - continuou Lenneth - Alugue o terceiro quarto da estalagem Galeão Dourado. Esteja só e com o pagamento. Se estiver faltando uma só moeda, o seu coração será o próximo a provar o gosto do meu punhal.

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Inspirografia:

-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.