...fechei os olhos com força, tentando apagar da mente a imagem do mundo à minha volta, mas não adiantou. Senti o vento frio da madrugada tocar o meu rosto, o cheiro do mar a invadir minhas narinas e o som das ondas distantes entrando em meus ouvidos... Mesmo de olhos fechados, eu sabia exatamente onde estava a lua - branca e pálida - a testemunhar meu último ato. E quando as sensações pareceram ser apenas lembranças, eu julguei que estava pronto.
- Socorro! Socorro!
O grito me trouxe de volta à realidade. A voz era de mulher e o tom, eu conhecia bem: era de completo desespero. Normalmente, eu deixaria que os gritos ecoassem até a voz se extinguir - e sentiria um mórbido prazer quando o silêncio finalmente chegasse. Dessa vez foi diferente: um força inexplicável me impulsionou na direção da voz - eu precisava ajudá-la.
Pouco depois, eu a encontrei: estava maltrapilha, acuada, rastejando em um beco escuro. Um homem imenso cheirando a bebida caminhava em sua direção como um caçador diante da presa. Ela soluçava e implorava-lhe para parar, mas isso não o deteu. O brutamontes provavelmente a espancaria, violaria o seu corpo e quando estivesse satisfeito a descartaria como um brinquedo. Eu não deixaria que ele fizesse isso.
Bastava uma punhalada no pescoço e ele cairia morto. Ao vê-lo bater na mulher, contudo, o sangue ferveu em minhas veias e nublou minha visão: num piscar de olhos eu estava atrás dele com meu punhal entrando profundamente em suas costas. Deliciei-me ao sentir o sangue dele escorrendo e ao ouvir o seu berro de dor ecoar. No entanto, eu o havia subestimado: o desgraçado virou-se para trás rapidamente e acertou meu rosto com uma clava enorme.
A força do golpe quase me tirou a consciência: minha vista escureceu e minhas pernas fraquejaram, mas eu me recusei cair. Vi o maldito retirar o punhal das costas como se fosse um mero espinho incômodo e jogá-lo no chão. Eu estava tonto, cansado e desarmado, mas ainda assim eu o provoquei a me atacar. Ele segurou a clava com as duas mãos e avançou em minha direção.
Golpe após golpe, evitei seus ataques: ele era lento e estava bêbado. O idiota mordera a isca. Mas à medida que o tempo passava, meu corpo ficava mais pesado e o desgraçado não parecia se cansar.
Me encostei na parede quando minha respiração começou a ofegar, eu não sabia se poderia desviar de mais um ataque. Meu adversário tomou distância e segurou a arma com ainda mais força, apenas para soltá-la em seguida e cair de bruços no chão. Não pude deixar de sorrir quando constatei que o veneno finalmente fizera efeito.
Deixei o cansaço tomar o meu corpo e minha consciência se esvair. Mas antes da escuridão me engolir eu tive a impressão de ouvir o eco de uma voz trêmula e distante:
- O-obrig-gada.
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Inspirografia:
-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.