11 de dez. de 2008

O clérigo e o monge

O clérigo estava tomando uma cerveja no balcão da taverna quando chegou um monge perto dele e perguntou:

- O que você faz?

O clérigo respondeu:

- Eu lanço magias, expulso mortos-vivos e luto razoavelmente bem. E você?

- Ah... eu não solto magias, nem expulso mortos-vivos, mas luto razoavelmente bem. - respondeu o monge.

- Ah, é? Então você não faz nada que eu não sei fazer. - disse o clérigo triunfante.

- Não é verdade - retrucou o monge ofendido -, eu sei fazer estrelinha.

29 de nov. de 2008

A Herança de Obould

Cavada no sopé da montanha, poucos quilômetros ao sul do Forte da Flecha Negra, fica a guarnição do Anão Morto. Local de treinamento de soldados, forjaria de armas e construção de máquinas de guerra para o exército do Rei Obould Muitas Flechas. Nesse lugar, não é permitida a presença de fêmeas, mas nenhum dos soldados ousou protestar ou mesmo olhar duas vezes para a figura alta e de manto negro que perambulava pelos túneis do lugar.

A fama de Lorog, a negra, era bem conhecida pelos orcs daquela região. Dizia-se que era uma bruxa cruel que sentia prazer em aterrorizar os guerreiros do exército de Obould para testar sua lealdade. Aqueles a quem ela considerava indignos eram torturados e punidos com seus venenos e maldições.

Lorog deslizou pelo Salão de Armas até ficar a poucos metros de um corpulento guerreiro que estava vestindo uma armadura de placas. O orc, que pareceu não notar a presença da bruxa, exibia uma infinidade de cicatrizes ao longo do corpo, marcas de dezenas de batalhas. A fêmea permaneceu em silêncio, quando ele começou a calçar as botas, ela perguntou:

- Preparando-se para partir, soldado?

O macho a olhou sobre o ombro por um instante, voltou a atenção para as botas e respondeu:

- Foi meu pai que mandou você me espionar, bruxa?

- Talvez. Ou talvez eu tenha vindo por conta própria.

- Lacaios não têm vontade própria, ainda mais uma fêmea. - respondeu o guerreiro, agora calçando um par de manoplas.

- Tem razão. É por isso que você está aqui. Porque o seu pai ordenou e você acata suas ordens como uma fêmea obediente, não é, Scrauth?

Scrauth mal conseguiu disfarçar sua fúria ao embainhar bruscamente sua espada. Ele sabia, no entanto, que ameaçar Lorog era estupidez: ainda que conseguisse matá-la, ele seria severamente punido pelo seu pai, já que a bruxa era a principal conselheira do Rei Obould. Scrauth apenas segurou o elmo ao lado do corpo, virou-se para a fêmea e retorquiu em tom de ira incontida:

- O que você quer de mim afinal? Preciso partir logo.

- O Rei Obould está ficando velho, Scrauth. Muitos acham que ele não tem mais a força de antes, depois da queda da Cidadela Muitas Flechas. Alguém terá que substituí-lo mais cedo ou mais tarde.

- Quando ele fraquejar, eu estarei pronto para tomar o seu lugar! - retorquiu o guerreiro em tom desafiador.

- Mas você precisa se mexer, Scrauth. Seu irmão Brymoel já está se mexendo. Soube que ele rumou para a Passagem da Lança Partida mais ao sul e está procurando alguma coisa por lá.

- O quê? Mas ele foi mandado para o leste, para espionar aquela vila dos Uthgard!

- Ele é um sacerdote, um fiel seguidor de Gruumsh. E Grummsh às vezes concede visões aos seus servos mais dedicados. Há algo importante ao sul, Scrauth. Algo que faz a diferença para aquele que almeja se tornar o Rei Muitas Flechas.

- Hmmm... entendo. Mas você não ia preferir um clérigo de Grummsh como o novo Rei Obould? - perguntou o guerreiro.

- É preciso ser um veterano de batalha para sentar-se no Trono Muitas Flechas - respondeu a bruxa -, alguém capaz de comandar um exército e fazer seus súditos obedecerem. Brymoel é um acólito fervoroso, mas não tem a força necessária.

- Então você veio aqui para me ajudar a tomar o lugar de meu pai? Quer dizer que você, Lorog, está me oferecendo uma aliança?

- Talvez. Ou talvez seu pai tenha me mandado aqui para lhe espionar.

8 de nov. de 2008

O Senhor dos Anéis - cena cortada

A Sociedade do Anel atravessava a ponte de Khazad-dûn, em seu encalço estava o terrível balrog, um demônio feito de fogo e sombras. Ciente de que não haveria tempo para todos fugirem, Gandalf permaneceu na ponte para impedir a passagem da criatura e possibilitar a fuga dos demais. Quando o balrog se aproximou agitando o seu chicote ameaçadoramente, o mago bateu o seu cajado no chão e gritou:

- O caminho está interditado!

O balrog ficou alguns instantes em silêncio e então soltou um ruído que parecia um soluço, mas logo se transformou numa sonora gargalhada:

- HAHAHAHAHAHA. O caminho está interditado? Quem você pensa que é, um guarda de trânsito? Gandalf, o amarelinho? HAHAHAHAHA.

- ¬¬

1 de nov. de 2008

Happy Hallowen!

Os cumprimentos do Rascunhos para vocês. Feliz dia das bruxas.

E essa é a parte onde eu subo na vassoura e saio voando. :P

2 de out. de 2008

3 anos é muito tempo

- Olá, pessoal. Boa Tarde.

- Boa tarde, milady. - respondeu um homem louro trajando uma armadura brilhante.

- Será que o senhor Cristoph foi o único que me ouviu? Eu disse BOA TARDE!

- Boa tarde. - veio a resposta de várias vozes num tom monótono.

- Agora está melhor. Pessoal, todos aqui tem algum problema: algum medo, alguma angústia, alguma frustração. Nós estamos aqui reunidos para, juntos, colocarmos essas coisas que nos fazem mal para fora. Eu estou com o nome de vocês anotados aqui, cada um que eu chamar vai se apresentar e contar aos demais o seu problema. Elisha, pode começar.

Elisha era uma mulher alta e forte, de pele escura e longos cabelos brancos, algumas cicatrizes formavam as únicas falhas em seu rosto esbelto. No chão, ao lado de sua cadeira, repousava uma imensa espada. Ela respirou fundo e começou a falar:

- Bem, meu nome é Elisha e...

- Por que a drow é a primeira a falar? - retorquiu o meio-elfo.

Hansi era um homem de trajes e modos rústicos, mas trazia também a graça dos elfos; possuía uma pele bronzeada e cabelos curtos de um tom levemente esverdeado. Vestia-se com uma roupa de couro maltratada e carregava consigo um grande arco de caça.

- Deixe a dama falar. - intrometeu-se Cristoph.

- Ela não tem nada de dama. - completou o meio-elfo.

- Ora, seu...

- Pessoal! Pessoal! Calma, calma, vamos nos acalmar. Cada um vai ter sua chance de falar. Elisha, por favor, continue.

- Bom, eu sou Elisha, como todos já sabem. Eu sou, sim, uma meio-drow. Minha mãe era humana e nós vivemos longos anos como escravas na cidade drow de Menzoberranzan. Depois que ela morreu, eu só queria fugir daquele inferno e quando a oportunidade surgiu, foi isso o que fiz. Eu me lembro de correr desesperadamente pelos túneis de Underdark, mas houve uma hora em que tudo ficou escuro. Depois disso, a única coisa de que me lembro é de estar numa floresta chorando e prometendo vingança... e mais nada. É como se parte do meu passado... não tivesse sido escrita.

- Muito bem, Elisha, obrigada. Er.... Cristoph, você é o próximo.

Cristoph era um homem alto e de ar nobre, de pele clara e cabelos loiros. Trajava uma armadura de placas brilhante que parecia não deixar qualquer parte de seu corpo desprotegida.

- Meu nome é Cristoph, sou um cavaleiro de Lândia e estou numa missão importante a serviço do Nobilíssimo Rei Theodoric XVII. Devo encontrar um perverso feiticeiro chamado Zeider e fazê-lo parar de praticar suas maldades. Recentemente encontrei alguns aliados, que talvez possam me ajudar em minha missão, mas eu não consigo prosseguir em minha jornada. É como se a mão do destino tivesse simplesmente parado de escrever minha história.

- Certo, Cristoph, obrigada por seu testemunho. Hansi?

- Sou Hansi, devoto de Mielikki e patrulheiro da Floresta do Amanhecer. Tenho um cachorro e amigo leal chamado Rynlon e odeio orcs. Adennon, o líder dos patrulheiros, mandou que eu vigiasse a ala ocidental da floresta. Mas até agora não pude atender ao seu chamado, porque um certo escriba acomodado parou de escrever minhas histórias. Aparentemente, ele preferiu ficar falando sobre esse maníaco psicopata aí.

- Cale-se, elfo. Mais uma palavra e eu serei obrigado a cortar a sua garganta quando você estiver dormindo. - ameaçou Lenneth.

- Calma, pessoal, calma. Todos aqui temos nossos problemas e estamos aqui para tentar resolvê-los juntos, certo? Certo, agora que Hansi já falou... Lenneth, pode começar.

Lenneth usava roupas escuras e leves, não era nem alto nem forte, mas possuía um olhar astuto e frio. Estava sempre observando o ambiente ao seu redor, como se não quisesse deixar nenhum detalhe escapar.

- Meu nome é Lenneth e a morte é meu ofício, ou pelo menos era. Por vários anos atuei como um assassino de aluguel: matava por dinheiro, mas sentia verdadeiro prazer em fazê-lo. Até o dia em que o destino cuspiu em mim. O meu último contrato foi para matar uma certa mulher que, após eu terminar o serviço, descobri se tratar de minha própria irmã. Amargurado, eu planejei tirar minha própria vida, mas circunstâncias inusitadas atrapalharam meus planos. Acabei lutando para salvar uma mulher e em seguida tombando de exaustão. Se eu vou acordar no inferno ou terei uma chance de me redimir, eu não sei, e essa espera só me deixa mais angustiado.

- Obrigado, Lenneth. Vamos ver quem ainda não falou... Diego, sua vez.

- Diego!?!? - exclamaram os demais em uníssono.

- Quem diabos é Diego? - perguntou Lenneth.

- Sou eu. - respondeu um rapaz sentado no canto da sala.

Diego era um rapaz de estatura média, cabelo castanho curto e meia dúzia de espinhas no rosto. Usava uma calça jeans azul e uma camisa polo preta.

- Esse fedelho é o tal de Diego? - zombou Elisha.

- Fica na tua, orelhuda, eu sou mais velho que vocês tudinho.

(Silêncio)

- Tá bom, pessoal, vamos deixar o Diego falar. Por favor, Diego.

- Bom, como vocês já sabem, eu sou o Diego, eu tenho 19 anos e acabei de entrar na faculdade de engenharia. Eu gosto de namorar, falar no MSN (e não no telefone), ir ao cinema, encontrar meus amigos, ir na casa da minha namorada... Nossa, a Marcela é uma menina maravilhosa, eu adoro ela, adoro ficar com ela, conversar com ela... Nosso namoro tava numa fase muito legal, mas simplesmente... parou; ficou estagnado, congelado... e eu estou muito frustrado com isso tudo.

- Certo, Diego, muito bom, tem que botar pra...

(Batidas na porta)

- Pode entrar!

- Oi, com licença, eu sou Italo, ah... desculpe o atraso.

Italo era um cara alto e de óculos, nem gordo nem magro, com uma barba por fazer e um cabelo comprido e bagunçado. Usava uma calça marrom desbotada e um blusa branca com um símbolo preto estranho e a inscrição "AVALON".

- Tudo bem, Italo, escolha uma cadeira vazia e se sente. Agora eu vou querer que você se apresente, fale um pouco sobre você e diga qual é o seu problema.

- Bom, meu nome é Italo, tenho 21 anos, tou... terminando o curso de Química Industrial na Universidade. Gosto de jogar rpg, gosto de escrever, tenho inclusive um blog, o Rascunhos de uma Mente, mas...

- Ei! é você! - gritou Lenneth.

- É ele! É ele! - disseram os demais.

- Eu o quê? - perguntou Italo preocupado.

- Você é o culpado por nossa sina, milorde. Eu tenho uma missão importante e você está me impedindo de cumpri-la. Farei com que vós continueis a escrever nossas histórias, ainda que para convencê-lo precise usar minha espada sagrada.

- E o meu arco! - esbravejou Hansi.

- E o meu punhal! - gritou Lenneth.

- E a minha espada larga+1! - Elisha.

- E o meu mp4 (que está cheio de música emo)! - Diego

- N-na-não, esperem, eu...

CRASH! POF! TRUSH! KABOF! KATABROK! PEI! POW! TISH! PATAF! PREK!


*****

Pois é, pessoal, o Rascunhos completa 3 anos hoje. Eu fico muito satisfeito de ter estado sempre postando durante esse tempo; já fiquei mais de mês sem publicar nada, mas nunca cheguei a realmente abandonar o blog, como é tão comum acontecer hoje em dia. Vez por outra, me pego relendo textos antigos e é legal perceber como eles se encaixam na situação que eu estava vivendo na época.

Personagens interessantes foram criados e/ou desenvolvidos aqui e eu espero continuar escrevendo as histórias deles (menos a desse tal de Diego, que não me faz a menor falta =P). Além de continuar inventando diálogos, poemas e tosqueiras aleatórias: todo tipo de rascunho que pode sair de uma mente insana.

Valeu, pessoal! Fiquem à vontade, pois a casa também é de vocês.


*****

Apertaram a campainha e eu fui me arrastando para atender a porta. Com a perna esquerda e o braço direito engessados, ficava difícil se deslocar; claro que um olho inchado e hematomas distribuídos pelo resto do corpo também não ajudavam.

Abri a porta.

- Senhor Italo?

- S-sim?

- Eu sou o representante do Sindicato dos Poemas e estou aqui, em nome de todos, para reivindicar um reajuste na quantidade de poemas publicados no Rascunhos de uma Mente. Está claro que nos últimos meses tem havido um boicote à categoria e...

BLAM!

- Cotas para poemas? Era só o que me faltava...

23 de set. de 2008

Colisão

É amanhã...
Não entendi nada...
...a prova de física...
...dessa aula....
...e eu mal estudei...
..que professor ruim!
...a lista tá enorme!
e o trabalho é pra segunda...
preciso tirar nota boa...
...adeus meu final de semana

Choque, colisão
Folhas ao ar, papéis no chão
- Deixa eu ajudar
- Precisa não...

Mãos que tateiam e pegam
Mãos que coletam e guardam
Listas, apostilas, exercícios
Mãos que se encontram em um rascunho de poema

Uma folha, duas mãos
Olhos nos olhos, tensão
Respiração ofegante, batidas de coração
Olhos nos lábios, Olhos nos olhos
Lábios nos lábios, mão sobre mão
Folhas ao vento

24 de ago. de 2008

Com as próprias mãos

- Você faria o mesmo se estivesse no meu lugar!


Não, Ariene não faria. Mas aquelas palavras reverberavam na sua mente, indo e voltando sem parar. Ariene Crownshield, cavaleira sagrada da Ordem do Cálice Prateado de Siamorphe, não venderia sua honra tentando matar alguém em troca de um punhado de moedas de ouro. Mas será que ela, nascida sem lar, sem ninguém que a ensinasse que valores deveria preservar, não se deixaria levar pela situação?

Segurou entre os dedos o cálice prateado, que usava sempre com tanto orgulho. Apertou-o forte, como se buscasse na deusa uma resposta para essas indagações. Não gostava da sensação de ter a vida de alguém em suas mãos – nunca se achou preparada para aquilo, na verdade. Já presenciara execuções antes – seu pai a preparara desde criança – mas isso não quer dizer que gostava de vê-las. Fechou os olhos azuis com força, como se tentasse apagar a lembrança, mas foi em vão.


**********


- Não vire o rosto, pequena. Seu pai está olhando você.


Quem lhe falava era Tersus, embora a criança não estivesse realmente dando importância a sua voz. Ariene não queria olhar, mas não conseguia tirar os olhos daquele a quem chamavam de traidor. Os ombros estavam caídos e marcas profundas adornavam o seu rosto, compondo o quadro de um derrotado. Não em combate, não em batalha... mas na vida. Profundas olheiras e olhos finos como linhas se esgueiravam pela multidão, como se não conseguissem encará-los. Ariene não desviou o olhar, e teve certeza: ele olhou para ela.


Mesmo nos dias de hoje, não conseguiu entender se ele buscava por ajuda ou pura redenção. Os olhos daquele homem eram de uma inexpressividade descomunal, mas ainda assim intensos como a pior das tempestades. Prendeu a respiração, e então ouviu a voz do seu pai soar acima do cochichar da multidão:


- Você, homem de armas conhecido por Saemon, foi acusado de traição para com seus companheiros de armas. Graças a informações, passada por você a comparsas dos exércitos da velha e corrupta corte, três valorosos guerreiros perderam suas vidas. Entre seus pertences, foi encontrada a quantia de trezentas moedas de ouro, cunhadas pelas formas da corte que você costumava combater. – pausou a fala por um instante, enrolando o pergaminho com as acusações. – O que tem a dizer em sua defesa?


Por um instante, o homem permaneceu calado, assim como a multidão. Seus olhos se viraram para seu acusador, Kelvan Crownshield, e Saemon apenas deu de ombros.


- Nada. Eu fiz tudo o que disse, meu senhor. Apenas me dê uma morte rápida.


A displicência do homem apenas irritou mais o lorde, e Ariene sabia disso. No entanto, ele manteve sua postura. Desembainhou sua espada bastarda, que refletiu por um instante a luz do sol, e disse:


- Pelo poder a mim investido, por mérito e berço, és declarado culpado, homem de armas Saemon.


***

Voltaram para o solar improvisado, em um silêncio quase mórbido. Ariene não conseguia parar de pensar nos olhos inertes daquele homem, e ainda assim tão intensos. E não conseguia também encarar seu pai. Como se adivinhasse seus pensamentos, Kelvan falou:


- Eu tive que fazer aquilo. Aquele homem cometeu um crime que matou três pais de família. É uma questão de justiça. E você deve acostumar-se com isso, minha filha. Um dia, você tomará conta desse lugar.

O silêncio perdurou até chegarem à casa. Ariene viu o pai dar-lhe as costas e dirigir ordens a alguns homens, e só então conseguiu dizer:


- E quem somos nós para julgar quando tirar a vida de alguém?


**********


- Ele não carrega o mal no coração. – disse por fim Arienne, e só então percebeu que demorara a tomar sua decisão.

- Preciso lembrar-lhe, minha noiva, que este homem tentou matar você? E foi uma tentativa premeditada? – a voz de Victarion se fez soar. – De acordo com as leis de Tethyr...

- Nós não estamos em Tethyr. – lembrou Vance, que era a favor de deixar o homem vivo.

- E mesmo de acordo com as leis dos homens do mar, traição a esse nível é passível de punição com morte. Arienne, eu negociei sua vida por duzentas moedas...

- Os deuses decidirão. – a jovem disse, e ouvir sua própria voz a deixou mais segura de si. – Se ele aceitar, largue-o no mar. Não estamos tão longe de terra firme, e qualquer provação que passar será o suficiente para que repense suas ações. Se, do contrário, ele perecer, teremos adiado o inevitável. Agora, se me derem licença, vou para os meus aposentos.


*****


Na manhã seguinte, os homens foram levados para o convés, para receber sua punição diante de todos – o exemplo também era uma ótima forma de coagir os membros de uma tripulação, a capitã lhe explicara. E assim era em qualquer lugar.


Aquele que mentira no intuito de salvar a vida teve uma morte rápida pelas lâminas de Vance. O outro, por sua vez, foi lançado na imensidão do mar, e se sobreviveu ou não a paladina não poderia dizer. No entanto, tinha a sensação de que a justiça, de fato, havia sido feita.

Onde você mora?

...

- E onde você mora mesmo?
- No Bairro dos Estados.
- Ah, fica perto do Sebrae?
- Não. Sabe onde fica o Hipócrates do Bairro dos Estados?
- O Hipócrates...? Sei sim, no Jardim Luna, né?
- Não. O Hipócrates do Bair-ro dos Es-ta-dos.
- Ah, sei não...
- Sabe o Pão de Açúcar da Epitácio?
- Sei, sei, sei sim. Em Miramar, né?
- Não. O oou-tro Pão de Açúcar. Perto daquele empresarial azul na Epitácio.
- Sei, sei.
- Pronto, você dobra na esquina do Pão de Açúcar...
- Na direção do Memorial, como quem tá indo pra Torre ou Expedicionários, né?
- Não. Como quem tá indo para o Bair-ro-dos-Es-ta-dos.
- Ah...
- É, pro ooou-tro lado, fica atrás do Pão de Açú...
- Aah, quer dizer que tu mora na rua atrás do Pão de Açúcar? Fica perto duma Escola de Enfermagem, né?
- Não. Não é na pri-mei-ra rua atrás do Pão do Açúcar. São algumas ruas depois...
- Aaah... Alguumas ruas depois, né? Fica perto da Emlur?
- Fiica.
- Ouxi, e por que não disse logo?
- Porque a Emlur fica DO LADO do Hi-pó-cra-tes.
- Sim, mas onde fica a sua casa?
- NO OLHO DO SEU %¬&*, MI @#$%*7!!!

7 de ago. de 2008

O arauto

A pequena vila de Zay estava agitada, as pessoas andavam de um lado para o outro naquela tarde. O inverno se fora, e nas próximas semanas muitos produtos seriam comprados e vendidos, algumas caravanas já haviam passado pela vila e até o final da primavera várias outras tinham Zay no seu percurso. Muito havia a ser feito. Por isso, poucos notaram o pequeno halfling subir em um dos bancos da humilde praça da cidade antes de anunciar a plenos pulmões:

Ouçam todos! Ouçam todos! De acordo com o decreto de Lorde Llachior Blackthorn, Duque do Cabo Velen e Lorde Real do Comércio, a partir da próxima semana, as taxas de mercado sobem para 3 donsars ao dia. Atenção, mercadores! O não pagamento da taxa pode resultar na confiscação dos produtos e na cobrança de multas. A medida perdurará por todo período da Colheita e será usada para a contratação de mercenários visando a proteção das cidades e estradas.

Neeb Voz-da-manhã era o nome do pequeno. Ele era um arauto viajante, uma profissão que foi quase extinta durante o período de caos pelo qual o Reino passou. O pequeno Neeb viajava de cidade em cidade, de vila em vila, anunciando os novos decretos e comunicando noticias de longe e era assim que as pessoas comuns sabiam o que estava acontecendo em Tethyr e além.

Poucas pessoas em Zay deram atenção ao halfling, os que o observavam e o ouviam, faziam-no mais por curiosidade e davam-lhe pouca importância, mas Neeb já estava acostumado, na verdade prefiria ignorância à agressividade: alguns mercadores furiosos de Myratma tentaram espancá-lo certa vez quando anunciou aumento de impostos.

Ouçam! Ouçam! As cidades amnianas de Riatavin e Trailstone se rebelaram contra os Reis Mercadores e declararam lealdade à Coroa de Tethyr. Embaixadores foram enviados de Darromar para negociar com Amn, mas os Reis Mercadores não querem negociar, declararam que Tethyr deveria se manter longe das duas cidades. Será isso o prelúdio de uma nova guerra?

Os transeuntes continuavam passando como se alheios ao discurso do halfling, mas a maioria apenas fingia que não ouvira as últimas palavras do arauto. Guerra era uma palavra que eles não queriam ouvir, não depois de terem passados tantos anos a mercê dos tiranos de Ithmong. Teriam sido os dois últimos anos apenas uma ilusão de tempos melhores?

O arauto apenas desceu do banco, acendeu seu cachimbo e partiu para a próxima vila.

28 de jul. de 2008

Disciplina

Ragorth caminhou a passos hesitantes em direção à pequena gruta. Olhou para o céu poente, certo de que não teria uma agradável noite de sono, e entrou. A gruta era ocupada por seu senhor, alguém a quem Ragorth temia, respeitava e admirava incondicionalmente. Não havia nenhuma iluminação dentro, mas nenhum dos dois precisava de luz para enxergar. Assim que avistou o dono da gruta em seu assento de pedra, Ragorth se postou de joelhos.

- Traz-me notícias, tenente? - a voz reverberou na escuridão da gruta.

- Si-sim, meu senhor.

- Assumo que os seus homens já lidaram com os gnolls, estou certo?

- Sim, meu senhor. Os gnolls não serão mais problema.

- Não, os gnolls não, mas algo mais será, não é mesmo?

A insinuação atingiu o tenente Ragorth como uma flecha, por um instante ele sentiu uma vertigem se apoderá de seus sentidos, mas sabia que mesmo trazendo más notícias ele não podia hesitar, não podia demonstrar fraqueza. Demorou apenas um instante para se recobrar e responder:

- Tivemos problemas, meu senhor. Um grupo de viajantes, certamente mercenários ou aventureiros, atravessou a região e matou meia dúzia dos nossos batedores. Eles rumaram para...

- Deixe-me ver se entendi direito: esses viajantes passaram por nossos domínios, mataram alguns de seus homens e saíram ilesos. Foi isso que aconteceu, tenente? - a calma inabalável em suas palavras apenas deixava Ragorth mais temeroso.

- T-temo que sim, meu senhor.

- Algum de seus homens foi levado como prisioneiro?

- Não, meu senhor.

A figura levantou subitamente de seu assento e avançou com sua mão pesada no pescoço do tenente. Uma manopla de aço apertou-lhe a garganta com uma força sobre-humana. Ragorth tentava inutilmente respirar quando foi arremessado ao chão. Depois, uma pesada bota metálica começou a atingir violenta e sucessivamente o seu rosto, quebrando o seu nariz e cobrindo os seus olhos de sangue. O tenente já não conseguia mais ver o mundo ao seu redor. Quando achou que a dor não poderia piorar, ouviu o seu senhor tirar o chicote preso ao cinto.

As chibatas vieram fortes e contínuas. Para Ragorth, parecia que, a cada golpe, uma dúzia de lanças perfurava a sua pele. Depois do que pareceu uma eternidade sob açoite, as chicotadas cessaram. O tenente não acreditou que estava vivo. Seu corpo estava em brasas e a dor mal permitia que ele se mexesse. Seu senhor ofereceu a mão para ajudá-lo a levantar.

- Venha, irmão, erga-se. - falou imponente a figura ajudando Ragorth a ficar de pé.

O tenente estendeu o braço e fez um esforço imenso para conseguir levantar.

- O sacerdote Farruk pode ajudá-lo com seus ferimentos... amanhã e apenas amanhã.

Ragorth fez um leve aceno com a cabeça. Queria procurar o sacerdote imediatamente, mas sabia que desobedecer o seu senhor traria consequências bem piores do que as chicotadas que sofreu hoje.

- Tome, levo-o. - falou a Ragorth entregando-lhe o chicote - Seus homens precisam de disciplina.

6 de jul. de 2008

A Floresta do Amanhecer

A Floresta do Amanhecer nem sempre foi conhecida por esse nome. Por muitas anos ela foi chamada de Floresta do Ninho da Aranha e era o lar de numerosas aranhas gigantes que faziam a mata ser temida e evitada. Os habitantes das aldeias próximas sabiam o quão perigoso era o local e por isso evitavam se aproximar da floresta, raramente tendo problemas com as aranhas que a habitavam. Esse quadro, contudo, mudou drasticamente quinze anos atrás, quando pequenos grupos de aranhas começaram a aparecer fora dos limites da mata, atacando o gado e os viajantes da Estrada do Norte.

As terríveis notícias chegaram aos ouvidos de Adennon e dos millikars. O arqui-ranger já andara muito pelas regiões selvagens em torno dos Vales e desconfiava que havia algo não-natural naquela floresta, mas ele nunca conseguira adentrar profundamente na mata, por ela ser muito fechada e as aranhas serem bastante hostis. Dessa vez, contudo, ele não estaria sozinho: mais de trinta millikars decidiram ajudá-lo e vários caçadores e aldeões da região se juntaram ao grupo.

Foram quase três meses de patrulhas e incursões, de ataques e fugas, uma verdadeira guerra foi travada entre homens e aracnídeos. Adennon e os outros descobriram que as criaturas eram comandadas por uma aranha ainda maior que as demais, dotada de grande inteligência e perversidade, Hasgeron era o seu nome.

Uma luta terrível foi travada entre os rangers e a criatura. Vários millikars morreram nesse combate, mas os sobreviventes lutavam com tamanha ferocidade que o número de aliados parecia aumentar, e não diminuir, a cada companheiro caído. O senhor das aranhas, no fim, foi derrotado.

E foi com os primeiros raios da aurora que os sobreviventes chegaram à aldeia mais próxima às bordas da floresta. Eles traziam consigo o corpo de Hasgeron como símbolo de sua vitória. Sua carcaça fétida foi queimada pelos camponeses e enterrada sob uma pilha de pedras e maldições. Sem o comando da malévola criatura, as poucas aranhas restantes fugiram para as montanhas que cercavam a floresta.

Vários aldeões e quase metade dos millikars tombaram no conflito. As mortes foram lamentadas e a vitória comemorada, alegria e tristeza andaram lado-a-lado naqueles que ficaram conhecidos como "os dias do vinho e das lágrimas". Adennon e outros rangers decidiram se fixar na floresta e ajudá-la a se recuperar dos danos causados pela influência de Hasgeron. As vilas próximas estavam seguras novamente.

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Inspirografia:

- Tolkien, J.R.R.
- Forgotten Realms

30 de jun. de 2008

Rebirth - Part 1(2ª versão)

...fechei os olhos com força, tentando apagar da mente a imagem do mundo à minha volta, mas não adiantou. Senti o vento frio da madrugada tocar o meu rosto, o cheiro do mar a invadir minhas narinas e o som das ondas distantes entrando em meus ouvidos... Mesmo de olhos fechados, eu sabia exatamente onde estava a lua - branca e pálida - a testemunhar meu último ato. E quando as sensações pareceram ser apenas lembranças, eu julguei que estava pronto.

- Socorro! Socorro!

O grito me trouxe de volta à realidade. A voz era de mulher e o tom, eu conhecia bem: era de completo desespero. Normalmente, eu deixaria que os gritos ecoassem até a voz se extinguir - e sentiria um mórbido prazer quando o silêncio finalmente chegasse. Dessa vez foi diferente: um força inexplicável me impulsionou na direção da voz - eu precisava ajudá-la.

Pouco depois, eu a encontrei: estava maltrapilha, acuada, rastejando em um beco escuro. Um homem imenso cheirando a bebida caminhava em sua direção como um caçador diante da presa. Ela soluçava e implorava-lhe para parar, mas isso não o deteu. O brutamontes provavelmente a espancaria, violaria o seu corpo e quando estivesse satisfeito a descartaria como um brinquedo. Eu não deixaria que ele fizesse isso.

Bastava uma punhalada no pescoço e ele cairia morto. Ao vê-lo bater na mulher, contudo, o sangue ferveu em minhas veias e nublou minha visão: num piscar de olhos eu estava atrás dele com meu punhal entrando profundamente em suas costas. Deliciei-me ao sentir o sangue dele escorrendo e ao ouvir o seu berro de dor ecoar. No entanto, eu o havia subestimado: o desgraçado virou-se para trás rapidamente e acertou meu rosto com uma clava enorme.

A força do golpe quase me tirou a consciência: minha vista escureceu e minhas pernas fraquejaram, mas eu me recusei cair. Vi o maldito retirar o punhal das costas como se fosse um mero espinho incômodo e jogá-lo no chão. Eu estava tonto, cansado e desarmado, mas ainda assim eu o provoquei a me atacar. Ele segurou a clava com as duas mãos e avançou em minha direção.

Golpe após golpe, evitei seus ataques: ele era lento e estava bêbado. O idiota mordera a isca. Mas à medida que o tempo passava, meu corpo ficava mais pesado e o desgraçado não parecia se cansar.

Me encostei na parede quando minha respiração começou a ofegar, eu não sabia se poderia desviar de mais um ataque. Meu adversário tomou distância e segurou a arma com ainda mais força, apenas para soltá-la em seguida e cair de bruços no chão. Não pude deixar de sorrir quando constatei que o veneno finalmente fizera efeito.

Deixei o cansaço tomar o meu corpo e minha consciência se esvair. Mas antes da escuridão me engolir eu tive a impressão de ouvir o eco de uma voz trêmula e distante:

- O-obrig-gada.

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Inspirografia:

-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.

24 de abr. de 2008

Rebirth - Part 1(1ª versão)

Naquele instante, meus sentidos estavam mais aguçados do que nunca, como se quisessem aproveitar pela última vez a miríade de sensações à minha volta. Eu sentia o bafo frio do mar soprando no meu rosto, o cheiro de água salgada invadindo minhas narinas e, mesmo de olhos fechados, eu quase podia ver a face de Selûne no céu. Mas essas sensações estavam ficando cada vez mais vagas e distantes, pareciam apenas lembranças.

- Socorro! Socorro!

O grito desesperado despertou-me para o mundo à volta. Eu não queria ser interrompido, não agora. Normalmente, não me importaria, deixaria que os gritos ecoassem até a voz se extinguir - e até sentiria um prazer mórbido quando o silêncio chegasse. Mas dessa vez foi diferente: uma força misteriosa me impeliu a agir. Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, estava correndo na direção da voz desesperada.

Cheguei a um beco mal-iluminado. Lá, encontrei a origem dos gritos de socorro: uma jovem de não mais de 17 anos vestindo vestes surradas estava acuada contra a parede. Avançando em sua direção com os punhos cerrados, estava um homem imenso fedendo a bebida. Observei a cena com cuidado, avaliando qual seria o melhor curso de ações, mas quando vi o canalha esbofetear a garota, o sangue em minhas veias inflamou-se e eu agi sem pensar.

Um instante depois eu estava atrás do brutamontes com o meu punhal penetrando profundamente em seu ombro - não era o melhor ponto para atingi-lo, mas eu estava cego de raiva. Não pude deixar de sorrir ao sentir o sangue dele em minhas mãos e ouvir o seu urro agonizante de dor. Contudo, eu subestimara meu adversário, poucos segundos depois ele virou-se em minha direção e eu mal consegui ver o porrete que colidiu contra o meu rosto com uma força de 10 homens.

Minha vista escureceu e o mundo pareceu girar à minha volta, mas eu me recusei a cair. O desgraçado gargalhou ao ver o esforço que eu fazia para ficar de pé e removeu o meu punhal de seu ombro como se fosse um mero espinho incômodo. Empunhando a clava com as duas mãos, ele tentou me golpear várias vezes, mas eu consegui evitar cada um de seus ataques. Notei que a cada golpe ele parecia perder um pouco de velocidade, mas eu não estava numa situação melhor: o cansaço atrapalhava os meus movimentos como se grilhões estivessem presos aos meus braços e pernas.

Procurei algo em meus pertences que pudesse me ajudar e me deparei com a bainha de uma espada curta. Aquela arma me foi dada por um gnomo como pagamento por um serviço, ela possuía uma lâmina de prata e uma bainha ricamente adornada. Sempre a considerei mais como um adereço do que como uma arma, de tal modo que sua lâmina nunca provara o gosto de sangue antes. Chegara a hora dela provar o seu valor.

Saquei a espada e adquiri uma postura ofensiva, desferindo golpes rápidos na direção de meu oponente. Ele recuou alguns passos, mas logo se deu conta que estava em vantagem: sua clava podia me atingir a uma distância claramente maior do que a da minha arma. O idiota berrou alguma coisa e atingiu violentamente minha espada, jogando-a para longe. A força do golpe foi tão intensa que eu perdi o equilíbrio e o meu corpo foi projetado para trás. Minhas costas foram ao chão e minhas pernas para o ar - foi naquele instante que eu percebi que ganharia a luta.

Vendo-me cair diante dele, meu inimigo abriu um sorriso de prazer como o de um abutre ao avistar carniça. Mas logo depois eu vi aquela expressão em seu rosto transformar-se em espasmos de dor quando, de minhas botas, projetaram-se duas lâminas afiadas que perfuraram o seu estômago. Rapidamente, fiz um movimento com minhas pernas de modo a rasgar o seu abdome como uma tesoura. Ele gritou como um animal sendo sacrificado enquanto seu sangue era jorrado de suas entranhas.

Aquelas botas foram feitas para mim pelo mesmo gnomo que me deu a espada de prata. Elas possuíam um dispositivo engenhoso que podia ser facilmente ativado com um movimento do pé, projetando para fora lâminas tão afiadas quanto uma adaga. Ao contrário da lâmina prateada, aquelas botas já haviam salvo minha vida diversas vezes - e mais uma vez o fizeram.

O brutamontes cambaleou para trás e tentou inutilmente parar o sangramento com suas mãos, mas era tarde demais: demorou apenas alguns instantes para ele cair sem vida no chão. E essa foi a última coisa que eu vi antes de deixar a escuridão me engolir e minha consciência se apagar.

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Inspirografia:

-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.

21 de mar. de 2008

Facing Death: face to face

Lenneth não temia a morte. Já a vira de perto tantas vezes que não se impressionava mais. Seus pais morreram quando ele tinha apenas cinco anos, vítimas de uma praga que assolava a região. Passou, então, a viver com os seus tios numa vila ao sul da Espinha do Mundo.

Junto com Lenneth e seus tios, vivera sua irmã mais velha, Laya. O que o garoto não sabia na época era que a moça era uma filha bastarda de seu pai e esse era um dos motivos pelos quais os seus tios maltratavam tanto a garota. Pouco após o garoto completar treze anos, Laya fugira da vila e Lenneth nunca mais a viu. Seus tios diziam que ela tinha fugido para o leste e que se o inverno não a matasse, os orcs o fariam. Ou, com muita sorte, ela chegaria viva em Lua Argêntea - onde seria uma mendiga pelo resto da vida.

Um ano se passara desde a fuga da irmã quando a vila foi repentinamente atacada por um batalhão de orcs. Os invasores puseram fogo a casa de seus tios, mas o garoto conseguira escapar; do lado de fora, Lenneth pôde ouvir os gritos dos dois enquanto as chamas consumiam lentamente sua casa e suas vidas.

O garoto aprendera cedo que a morte existia em todo lugar e em muitas formas e que era inútil fugir dela. Ele decidiu, então, dominá-la. Tirou a vida de inúmeros indivíduos, até se tornar íntimo com a morte - manipulando-a com a facilidade que um artesão usa os instrumentos de seu ofício.

Lenneth não temia a morte. Até aquela noite.

Não foi difícil para o assassino escalar até uma das janelas da Casa que havia sido deixada aberta. A mulher que dormia nesse primeiro quarto parecia bastante gorda e o seu ronco podia ser ouvido a uma distância de muitos passos - Lenneth se perguntou se algum homem pagaria um cobre sequer por uma noite com ela.

Deixando qualquer distração de lado, o assassino esgueirou-se até a porta e chegou silenciosamente ao corredor. De acordo com as informações que coletara, o seu alvo dormia num quarto nesse mesmo andar. Caminhou por alguns minutos envolto por um silêncio mortal até encontrar o que procurava:

- Quarto 27. - sussurrou Lenneth abrindo um sorriso malévolo.

A porta rangeu de leve quando o assassino a abriu, por um segundo ele pensou que poderia ter sido descoberto, mas tranquilizou-se quando o único som que ouviu foi o respirar suave de sua vítima. O pequeno quarto estava fracamente iluminado por uma vela que a mulher deixara no criado ao lado da cama. A luz era suficiente para Lenneth notar o quão voluptuosa era a forma sob o lençol. Teve vontade de descobri-la, mas logo percebeu que era insensato fazê-lo, poderia acordá-la ou pior: hesitar em matá-la. Decidiu que teria tempo para observá-la quando estivesse morta.

Lenneth levou o punhal acima dos seios palpitantes da mulher e com um golpe rápido e preciso pefurou o lençol e atingiu o seu coração. Pouco pôde se ouvir além de um gemido abafado. Logo o sangue ensopara as cobertas. O assassino limpou casualmente o seu punhal em um lenço que trouxera consigo - estava satisfeito por ela ter morrido sem gritar, como fazia a maioria das mulheres diante da morte. Não pôde, contudo, conter sua curiosidade e puxou abruptamente os panos que a escondiam.

A mulher possuía, de fato, um corpo exuberante, agraciado por curvas generosas que devem ter despertado a cobiça de muitos homens, mas Lenneth ficara hipnotizado por seus olhos - que se arregalaram diante da morte. O tempo pouco mudara aqueles olhos e aquele rosto nos últimos dez anos.

- N-não pode ser... - a expressão do assassino era de completo pavor.

O cadáver diante de Lenneth pertencia a sua irmã, Laya. Uma explosão de lembranças e perguntas ecoou na mente do assassino. A única pessoa pela qual ele nutrira algum afeto fora morta por suas próprias mãos. Aturdido pelo acontecimento, Lenneth só voltou a si quando olhou para a mão direita do corpo e viu um anel de ouro em um dos dedos. Qualquer dúvida sobre o que fazer evaporou imediatamente de sua mente, só houve espaço para um sentimento, um único desejo em Lenneth naquele momento: vingança.

Três dias depois acharam o corpo do mercador e de dois de seus guarda-costas em um dos aposentos da estalagem Galeão Dourado. Os guardas apresentavam apenas marcas de golpes precisos na garganta. O cadáver do mercador, contudo, estava num estado bem diferente: havia inúmeras punhaladas e queimaduras dos pés à cabeça. Além disso, em uma de suas cavidades oculares estava inserido um anel de ouro onde antes deveria haver um de seus olhos.

...

Lenneth encarava seu reflexo borrado na água do mar. Havia algo inexplicável que o puxava para baixo, de encontro ao seu reflexo, de encontro ao seu fim. Virou-se para o lado, onde a sua máscara estava jogada e depois olhou para a roupa que vestia - completamente manchada de sangue - e suspirou. Tomou o punhal em suas mãos e passou alguns minutos observando-o atentamente. "Quantas vidas foram encerradas por essa lâmina?" - ponderou.

- Mais uma vida, ela precisa tirar. - sussurrou o assassino.

Segurou o cabo com as duas mãos e apontou o punhal contra o seu peito, estremecendo ao sentir a lâmina fria tocar a sua pele. Olhou para o céu e viu a lua rodeada por um cardume de estrelas. Olhou para o mar uma última vez e viu uma constelação de peixes se afastar de sua imagem borrada. Fechou os olhos, respirou fundo e segurou a arma com mais força. O fim chegara para o assassino.

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Inspirografia:

-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.

12 de mar. de 2008

Murdercraft

Lenneth observava cada movimento da cidade abaixo, mesmo contra o vento frio da madrugada, seus olhos raramente piscavam. Ele sabia que muita coisa acontecia nas ruas de Luskan após o pôr-do-sol. Sobre o teto daquele prédio abandonado, ele podia testemunhar vários fatos que em outros lugares atrairiam a atenção das autoridades e seriam punidos pela lei, mas naquela cidade eram coisas do dia-a-dia.

A torre na qual Lenneth se alojara já fora um dia um templo dedicado a algum deus da honra e justiça. Fácil imaginar porque o prédio estava agora abandonado e em ruínas: Luskan é uma terra infértil para esse tipo de fé. Graças as lendas de que as almas dos antigos sacerdotes vagam pelo local, a torre só é frequentada por aqueles que tem negócios escusos para tratar. E para algo ser considerado escuso nessa cidade... deve-se imaginar o pior.

Transeuntes e templos mal-assombrados não preocupavam Lenneth. Sua atenção esteve voltada durante toda à noite para uma grande mansão à sua frente, a Casa dos Prazeres. Era um dos prédios mais antigos da cidade e também um dos mais protegidos. Lenneth não deixou de sorrir quando pensou sobre a ironia do templo e o bordéu ficarem tão próximos e do primeiro ter ruído enquanto o segundo floresceu. Madame Alessandra era sem dúvida a mulher mais poderosa de Luskan, administrando o seu negócio com mão de ferro e tendo o respeito de todos os lordes piratas da cidade.

Lenneth desceu a torre quando viu a última chama se apagar dentro da mansão e os guardas se afastarem. O serviço deles havia acabado por aquela noite, mas o daquele homem esguio e soturno estava apenas começando. Sua vítima estava lá dentro, sem a menor idéia do que estava por vir.

O homem de roupas escuras e máscara de pano era um assassino de aluguel e seu alvo atualmente era uma das cortesãs da Casa. O mercador que o contratou mencionou algo sobre "a porca suja precisar morrer" ou "lavar minha honra", mas Lenneth nunca prestava atenção nessas partes da conversa. Só tinha duas coisas que ele queria saber: quem e quanto.

- É uma das mulheres de Madame Alessandra - disse o mercador - A desgraçada roubou um anel de família da última vez que estive lá. Quero que você me traga de volta.

O assassino ouviu tudo impassível e aparentemente sem ser afetado pelas palavras de seu contratante. Num piscar de olhos, contudo, ele levara seu punhal à garganta do homem, muito antes de seus guarda-costas conseguirem desembainhar suas espadas.

- Você está zombando de mim, velho? - disse Lenneth furioso - Acha que eu sou algum batedor de carteira? Pareço um assaltante de beco para você?

Lenneth puxou violentamente os cabelos do velho com uma das mãos e deslizou levemente o punhal pelo pescoço dele com a outra, fazendo um corte superficial. Os guardas-costas do mercador haviam empunhado suas espadas, mas estavam aturdidos demais com a cena para tentarem qualquer reação.

- M-me, me solte - balbuciou o velho miserável - e-eu pago adiantado, e-eu pago o dobro...

- Mande os seus lacaios soltarem suas armas e você viverá para fecharmos o acordo. - disse o assassino calmamente.

- F-façam o que ele pediu - murmurou o velho.

- Mas, senhor... - hesitou um dos guardas.

- Soltem suas espadas! - gritou o mercador.

Os guardas obedeceram imediatamente. Antes mesmo de se ouvir o som do metal das espadas caindo no chão, Lenneth libertara abruptamente o velho, empurrando-o contra uma parede. Os guardas vieram ao auxílio de seu patrão enquanto ele, ofegante, se recuperava do susto.

- Invadir o território de Madame Alessandra envolve um risco alto - disse o assassino - Eu quero o triplo: duzentas moedas pela morte da mulher, duzentas moedas pelo anel e mais duzentas pelo insulto que me fez.

O mercador sabia do alto risco de lidar com Lenneth, mas o susto que levou não deixou dúvidas sobre a eficiência do assassino. Sabia que escolhera o homem certo para o serviço.

- Combinado. - respondeu o mercador já recuperado - Vou pegar o seu adiantamento - disse fazendo menção de deixar o aposento.

- Não. - respondeu friamente o assassino. - Não aceito ouro por alguém vivo.

O mercador ficou muito surpreso com a resposta.

- Nos encontraremos em quatro dias - continuou Lenneth - Alugue o terceiro quarto da estalagem Galeão Dourado. Esteja só e com o pagamento. Se estiver faltando uma só moeda, o seu coração será o próximo a provar o gosto do meu punhal.

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-Forgotten Realms
-Salvatore, R.A.

24 de fev. de 2008

It's all about...

...surviving.

- E o que eu vou fazer com você, hã?

O homem dava uns poucos passos enquanto falava, indo e voltando diante da jovem. Valla o seguia com os olhos, azuis-gélido como as mais altas montanhas do Norte. O som das botas surradas do capitão reverberava na sua mente, acompanhado de suas palavras.

- Não posso levar você para o seu pai, pois dificilmente terminaríamos a viagem. Vocês, svaldar, são um povo... difícil de lidar, às vezes.

Valla fechou os olhos, na tentativa de afastar aquelas palavras que não queria ouvir. Era uma svaltar - povo que vive em uma ilha no extremo norte, onde o clima é inclemente e a vida difícil. Filha de Vikar, um dos chefes das várias tribos, foi tomada sob a tutela dos padres de uma das colônias d'O Império. Mas sabia a verdade: era uma refém. Enquanto estivesse no monastério, as ações de seu pai seriam refreadas. E quando achou que estaria voltando para casa...

- Mas eu poderia ganhar muito com você, princesinha. Vendendo você para um dos inimigos do seu pai, ou talvez como uma escrava nas cidades quentes do sul. Aposto que pagariam um bom preço por esses seus olhos azuis e essa pele rosada.

... o navio onde estava foi atacado por esses piratas. Os svaltar que a levavam lutaram e morreram. E estranhamente, Valla agradecia por isso: descobriu, depois de ser feita prisioneira, que eles a venderiam para o chefe de uma tribo rival. Não - não seria uma refém novamente. A palavra de ordem no momento era sobreviver.

- Eu posso ser útil pra você. Posso ler, escrever, e conheço sobre os costumes dos svaldar. E das colônias d'O Império. E posso aprender a lutar. E além do mais... eu posso aquecer sua cama à noite.

Ele parou de andar, encarando-a. Seus olhos castanhos pareciam querer invadir-lhe a mente, ler suas intenções. A dúvida, por fim, tomou voz:

- E quem me garante que eu posso confiar em você?

- E o que eu posso fazer? Me atirar no mar e esperar que as feras me devorem, ou coisa pior?

Era uma svaltar. Seu povo teve suas terras tomadas pelas legiões d'O Império, e os sobreviventes foram para a ilha de Isgard - um dos nomes dados ao lar dos deuses. Claro que aquilo era uma ironia - além do clima capaz de matar mesmo o mais forte dos guerreiros, a terra era inóspita e infértil. Os svaltar eram, na verdade, grandes sobreviventes. Singrando as águas geladas do Norte, eles atacam as fazendas, tomam o que precisam e vão embora. Rememorando as lembranças do seu povo, Valla não esperou resposta do capitão:

- Não, eu prefiro sobreviver.

- A vadia vai te trair, capitão.

Uma sombra se avantajava, descendo as escadas do compartimento de carga. Um homem magro, usando apenas calças sujas e um pano amarrado onde deveria estar seu olho esquerdo, revelou-se conforme se aproximava da luz trêmula do lampião. Um brilho disforme vinha de sua mão direita, e logo Valla percebeu que se tratava de uma adaga velha e enferrujada.

- Se eu trair você, pode me jogar no meio dos seus homens. Estou certa de que eles saberão como vingá-lo.

- Eu sei muito bem o que fazer com você, prostituta svaltar. Me dê ela, capitão. Olho por olho.

Enquanto falava isso tocava de leve o tecido manchado de vermelho que cobria a sua órbita recém-perdida. A vadia havia feito isso como presente de boas vindas, quando o pirata tentou tomar-lhe pela força.

- Faça isso e termino o serviço que eu comecei, te arrancando o outro.

- Dessa vez você vai estar de costas, cadela fria.

- Isso se conseguir me pegar, cão sardento.

E então William avançou, brandindo a adaga e mostrando seus dentes podres, saliva escorrendo pelos cantos. Valla saltou na caixa onde estava encostada, apenas para ver que, com um gesto simples do capitão, três homens o seguraram. Olhou para os lados, como um animal acuado, buscando mais algum ataque surpresa, que não veio.

- Fique tranquila, princesinha. Essa noite, você estará segura. Na minha cabine.

A Profecia da Chama Eterna

Uma vez mais a Chama Branca será acesa
O fogo que tudo queima será o prelúdio de uma nova era
A terra, a água e o ar se curvarão diante da chama alva
Suas labaredas queimarão as trevas, o caos e mesmo o fogo impuro
Quando isso acontecer, nascerá Alashtah,
O fogo que não se apaga, a chama imortal
O mundo, então, arderá
E mesmo as sombras derreterão
Terá surgido um novo tempo,
A Era do Fogo

3 de fev. de 2008

A Menina que Roubava Livros - Resenha

"Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler."

Uma pequena invasão, mas justificada. Há muito eu estou cadastrada no blog de Italo como habilitada a postar, e agora eu abuso desse poder a mim concedido. =)

Foi com grata surpresa que comecei a ler A Menina que Roubava Livros, em um sábado à noite enquanto minha anfitriã (pois estava dormindo na casa de uma amiga) tomava banho. Se um trailer de um filme deve convidar o espectador a assisti-lo, Zusak captura o leitor nas duas primeiras páginas. Um aviso sobre a nossa curiosa narradora, a Morte em pessoa, pode chocar alguns, mas em mim despertou uma estranha curiosidade:

"EIS UM PEQUENO FATO:
Você vai morrer."

Zusak não só dá cor a um narrador passional, como através de belas imagens nos conta a história de Liesel Meminger, uma garota que vive na Alemanha no período conturbado da Segunda Guerra Mundial. Em um trem, ela tem seu primeiro encontro com a Morte, embora não pareça estar ciente disso, e depois cruza com ela pelo menos três vezes, antes que chegue sua hora.

Com uma narrativa cheia de vais-e-vens, a Morte nos surpreende com fatos ainda a acontecer, atiçando a curiosidade do leitor. E como na vida de qualquer criança, há momentos felizes, há momentos dramáticos e há momentos tristes. Sem esquecer o menino da casa vizinha, aquele melhor amigo que nunca perde a oportunidade de pedir um beijo.

O livro é carregado de metáforas, tanto nas cores descritas - cores tão adoradas pela nossa narradora, que as utiliza como uma distração do seu árduo e penoso trabalho - quanto na própria capa: branco, preto e vermelho, cores que preenchiam a bandeira nazista. De modo coeso e comovente, Zusak nos guia pelas várias páginas dos livros que a pequena ladra surrupia.

A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak, Editora Intrínseca, 480 páginas, R$ 30,00.

Hmmn, acho que eu poderia ganhar dinheiro escrevendo sobre livros alheios. E fazendo suas vendas aumentarem (ou diminuírem).