2 de out. de 2012

Fogo


O calor era insuportável. Seu rosto se banhava em suor enquanto as chamas aumentavam. Os camponeses a observavam; uns pareciam tristes, mas outros gritavam e jogavam pedras. Ela tinha cuidado dos doentes, das mulheres grávidas, tinha preparado infusões, dado conselhos... Mesmo assim, eles a puseram numa fogueira. As lágrimas em seu rosto se confundiam com o suor. A dor cortante arrancava-lhe gritos horríveis. Sua vida se transformava em cinzas. Já não tinha esperanças quando começou a chover.

Todos na vila a conheciam, era uma espécie de curandeira. Muitos a buscavam quando estavam doentes e ela recebia a todos. Tinha uns quarenta anos e ainda era bela. Quando o conde da região visitou a aldeia, ficou encantado com sua beleza. Ofereceu-lhe um bom dinheiro para que cedesse a seus favores. A senhora, no entanto, recusou-se a fazê-lo e o agrediu quando ele tentou de todos os modos tirar sua roupa. Sentindo-se humilhado, o nobre ordenou que a prendessem.

Como não era cristã, o conde a acusou de ser bruxa e pediu ao padre da vila que a condenasse por bruxaria. O velho sacerdote tinha boas relações com seu senhor, por isso fez o possível para preparar o necessário para a condenação. No entanto, o padre adoeceu uns dias depois e morreu.

Passou-se quase um mês para a Igreja enviar um substituto. O novo sacerdote era muito jovem e tinha ambição de crescer na hierarquia eclesiástica. Assim que chegou à vila, lhe informaram sobre a situação da bruxa. Por isso, analisou as anotações de seu antecessor e seguiu com a execução, pois desejava ficar em bons termos com o conde.

A chuva veio muito tarde. Embora a água tenha apagado o fogo, as queimaduras da mulher já eram muito profundas. Ela tinha sido uma pessoa gentil que tentou ajudar a todos o máximo que pôde, mas nos últimos instantes de vida seu coração se enegreceu. O ódio se apossou dela e ela amaldiçoou toda a aldeia, sobretudo o jovem sacerdote. Finalmente, o fogo de sua vida e a nobreza de sua alma se apagaram.

***

Hoje, o Rascunhos completa(ria?) 7 anos de existência. Por isso, achei interessante compartilhar um texto por aqui. Apesar de carecer um pouco de fidelidade histórica, acho que o conto ficou legal. Espero que gostem. Até logo.

2 comentários:

Allana disse...

Um dia isso sai da cabeça, né?

Thiago disse...

Que absurdo! Queimar uma mulher por *achar* que ela é bruxa!
Todo mundo sabe que o procedimento correto é acorrentá-la e jogá-la no lago, e queimá-la apenas se sobreviver!
Que padre inculto!