16 de jul. de 2006

O Sentinela

Naquela tarde de primavera, o sol brilhava brandamente, poucas nuvens manchavam o manto azul do céu. Mais abaixo, várias árvores se erguiam da terra, formando um imenso jardim verde de aparência tranquila, a Mata do Alvorecer. O silêncio da paisagem era interrompido apenas pelo canto dos pássaros que procuravam seus pares para acasalar. Apenas um olho atento e um ouvido treinado poderiam perceber que alguém caminhava soturno por entre as árvores...

O homem que caminhava pela mata chamava-se Hansi. Pertencente a uma espécie híbrida, chamada pelos elfos de meio-humanos e pelos humanos de meio-elfos. Ele, contudo, não se importava com esses títulos; o único título com o qual se importava, e que gostava de ostentar, era o de Sentinela da Floresta. Hansi pertencia a um grupo conhecido como milikkars, ou guardas de Mielikki.

Após horas percorrendo a floresta, algo chamou a atenção do patrulheiro. Agachado no chão, tateava as marcas deixadas na terra enquanto seu amigo farejava ao lado. Apesar de estarem juntos apenas a alguns meses, o seu cão Rynlon era um dos melhores amigos que já tivera. Além de excelente farejador, era silencioso e totalmente leal. Hansi ensinara ao animal alguns truques e os dois se comunicavam quase como se pertencessem a mesma espécie. Após cheirar os rastros, o cão emitiu dois latidos graves e um agudo, o que só podia significar uma coisa...

- Orcs!

Os orcs fizeram parte do passado nebuloso de Hansi, mas o sentinela não os temia. Pelo contrário, sabia exatamente como eles agiam e como derrotá-los. Podia reconhecer o cheiro ruim de um deles quase tão bem quanto o seu companheiro canino. A lembrança dessas criaturas fez com que o patrulheiro imediatamente sacasse o arco e deixasse uma flecha em punho: era melhor estar preparado.

Mais silencioso do que nunca, Hansi seguiu os rastros mantendo os olhos e ouvidos bem atentos. Não precisou andar muito para encontrar uma das criaturas - sem dúvida, um batedor - pensou o guardião da floresta. Fez um sinal para o cão se afastar, mirou a flecha cuidadosamente e disparou. Rompendo o ar com um zunido, o projétil atingiu o orc na nuca, arrancando-lhe um grunido de dor e fazendo seu sangue escorrer pescoço abaixo. O meio-elfo puxou uma segunda seta da aljava e atirou rapidamente, acertando o alvo no ombro esquerdo e provocando mais um grito de dor. O monstro alvejado perdia o equilíbrio das pernas quando Hansi preparava uma terceira flecha, mas o sentinela foi supreendido:

- Parado aí! - bradou uma voz gutural às suas costas - se fizer qualquer movimento, eu o mato. Largue o arco no chão!

Fora tolo de imaginar que o orc estaria sozinho e Hansi se odiou por isso. O ranger imaginou que seria insensato não atender às exigências do segundo adversário. Soltou o arco no chão e virou-se para a criatura. Era apenas um, mas empunhava uma grande besta, pronta para disparar. Fizera a coisa certa, o corselete de couro que estava usando não protegia bem suas costas. Além disso, sabia que os orcs costumavam envenenar os seus dardos.

Hansi avaliava a situação. Se o orc quisesse apenas matá-lo, já teria disparado aquele quadrelo. Apanhar o arco ou tentar lutar seria tolice: além da besta que trazia nas mãos, o orc tinha preso à cintura uma longa espada, o patrulheiro estava em clara desvantagem. Olhando para os lados, viu que Rynlon não estava à vista, mas sabia que o animal estava bem perto.

A criatura observava o sentinela atentamente. Não tinha intenção de matá-lo, sabia que o seu líder o recompensaria se trouxesse o 'elfo' como prisioneiro. Era sua chance de subir na hierarquia da tribo e ficar acima dos meros peões:

- Escute, elfo! É melhor que você fique bem calmo e não faça nenhuma besteira. Se obedecer minhas ordens, talvez você viva para ver o sol de novo. Agora, vire de costas e siga a trilha atrás de você, bem devagar. Vamos!

O ranger franziu a testa e balançou a cabeça com uma expressão confusa na face. Em seguida, falou em voz alta:

- Dartha u-achas, dartha ad ten.

- O que você disse? - esbravejou o orc - Não me diga que... Ah, seu elfo estúpido, não me diga que você não fala comum!? Vamos! Vi-re-se, an-de e não fa-ça NE-NHUMA GRA-CINHA!

O orc se descontrolou: pisava no chão com força, bufava, gesticulava e tentava dar ordens ao seu prisioneiro. Quando já estava bastante furioso, o elfo balançou a cabeça em sinal de entendimento e fez menção de virar-se para obedecê-lo. A criatura suspirou aliviada, mas em seguida ouviu o sentinela dizer:

- Nag mi orch!

Embora o orc não entendesse o que diziam, as palavras do meio-elfo possuíam um tom claramente ofensivo, ao qual o orc reagiu imediatamente. No momento em que a criatura preparava-se para atirar, Rynlon mordeu-lhe o tornozelo com força, puxando-o para trás. A seta que atingiria o patrulheiro voou para o alto sem ameaçá-lo.

Enquanto o orc sacudia a perna violentamente, tentando livrar-se do cachorro, Hansi agiu rapidamente: avançou contra o inimigo enquanto sacava um par de adagas que trazia ocultas em seu cinto. Em seguida, estocou-as profundamente nos rins da criatura. Suas mãos logo se banharam de sangue e um estrondoso grito de dor ecoou pela floresta.

Hansi contemplou o corpo do orc por alguns segundos e a seguir verificou se Rynlon não estava ferido. "Fui imprudente ao tentar caçar os orcs sozinho" - pensou o sentinela. O cachorro olhou para ele com um ar ofendido. O ranger deu um sorriso e acariciou o animal. Em seguida encaminhou-se a passos largos para o coração da floresta: seus companheiros precisavam ser alertados.

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Este post é dedicado ao mizera do meu irmão.

Gostaria de agradecer a minha cunhadinha Amanda Undomiel
por me ajudar com as frases élficas. Valeu!

4 de jul. de 2006

O lobo solitário

Rulviar era uma como tantas outras cidades pequenas ao longo da Estrada do Mar da Lua: dedicava-se à agricultura e à caça, mas o que sustentava mesmo sua economia eram os mercadores que se hospedavam na cidade. Nada demais parecia acontecer em Rulviar, as histórias mais interessantes eram trazidas de fora pelos viajantes e contadas nas tavernas.

Naquele noite, em especial, o povo de Rulviar teve dificuldades para dormir. Ouviam, do bosque próximo, uivos constantes, estavam assustados. Os moradores, no entanto, não sabiam que aqueles eram, na verdade, uivos de tristeza.

Naquela tarde, durante o período da feira, quatro homens batiam num rapaz franzino em um beco sujo da cidade. Motivo: dívida de jogo, 6 peças de prata parecia um motivo suficiente para aplicar-lhe uma boa surra. Um jovem que caminhava distraidamente viu a cena e resolveu ajudar o homem em desvantagem.

Lutou com valentia, mas teria sido espancado pelos quatro se não contasse com a ajuda de forças ocultas. O jovem salvador era, na verdade, um homem amaldiçoado: quando tomado pela fúria ou tocado pela luz da lua cheia, ele se transformava. Era um licantropo.

Os valentões foram facilmente derotados pela fera. Fugiram pelas ruas marcados por socos e garras, um monstro os perseguia. Nas ruas, as pessoas olhavam assustadas, gritavam, chamavam pela guarda. Apenas quando vários homens empunhando lanças vieram em sua direção, o homem-lobo percebeu que estava em perigo. Fugiu. Refulgiou-se numa mata próxima. Os guardas não ousaram persegui-lo.

Nunca se sentira tão só quanto naquela noite. O bosque ao seu redor era mais acolhedor que a cidade, ainda assim não era confortável. O lobisomem entoava um canto triste para as estrelas. De repente, um cheiro familiar invadiu-lhe as narinas e uma voz diferente da sua quebrou o silêncio da noite:

- Você está bem? - peguntou uma voz feminina.

Virando a cabeça de lado, ele olhou pelo canto do olho e viu uma mulher às suas costas. Reconheceu-a. Estava na feira, vendendo flores; se não estivesse tão faminto naquela hora teria gastado algum tempo observando-a, ela era linda. Mas, de todo jeito, aquele perfume de jasmim-da-montanha era inconfundível.

- Você não devia estar aqui, é perigoso - retrucou, mal-humorado.

- Não vejo porque - disse a moça sentando-se ao lado dele sem cerimônias.

- Acho que você não sabe o que sou.

- Sei sim, você é um lobisomem, o que isso tem demais?

O homem ficou surpreso. Olhou de lado e viu que, sob um véu de cabelos ruivos, havia um rosto fitando o céu atentamente. Parecia procurar algo entre as estrelas. Seus olhos emanavam um estranho ar de sabedoria. - Que mulher atrevida, o que ela faz aqui afinal? - se indagava o licantropo, mais admirado do que incomodado. Resolveu, então, interromper o silêncio:

- Ah, então você acha que não é nada demais? - falou, pondo-se de pé, parecia ofendido. É - continuou, dando as costas à mulher -, você não tem IDÉIA do que é ser um lobisomem. Transformar-se num monstro contra sua vontade, provocar medo e fúria nas pessoas... Os lobos, às vezes, me fazem companhia, mas eu fui criado em cidades... Eles SABEM que eu sou diferente. - sua voz ganhou um tom de desabafo - Sou tratado pelos humanos como um lobo e pelos lobos como um humano... Acho que fui condenado a ser exatamente isto - apontando para si -... um lobo solitário.

- Você tem razão, eu não sei o que é ser um lobisomem, não sei por que dificuldades você passa - fez uma pausa -, mas sei que você não está condenado a solidão.

O jovem emitiu um pequeno rosnado. - Ela só diz isso porque deve sentir pena de mim - pensou. Após alguns minutos silenciosos, ele sentiu algo roçar-lhe o joelho, era um focinho, um focinho canino. Um instante depois, havia um lobo lambendo sua perna carinhosamente. Os pêlos do animal tinham um tom levemente rubro, notou o "lobo solitário".

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Não sei... acho que esta estória ficaria mais legal contada oralmente...