24 de fev. de 2008

It's all about...

...surviving.

- E o que eu vou fazer com você, hã?

O homem dava uns poucos passos enquanto falava, indo e voltando diante da jovem. Valla o seguia com os olhos, azuis-gélido como as mais altas montanhas do Norte. O som das botas surradas do capitão reverberava na sua mente, acompanhado de suas palavras.

- Não posso levar você para o seu pai, pois dificilmente terminaríamos a viagem. Vocês, svaldar, são um povo... difícil de lidar, às vezes.

Valla fechou os olhos, na tentativa de afastar aquelas palavras que não queria ouvir. Era uma svaltar - povo que vive em uma ilha no extremo norte, onde o clima é inclemente e a vida difícil. Filha de Vikar, um dos chefes das várias tribos, foi tomada sob a tutela dos padres de uma das colônias d'O Império. Mas sabia a verdade: era uma refém. Enquanto estivesse no monastério, as ações de seu pai seriam refreadas. E quando achou que estaria voltando para casa...

- Mas eu poderia ganhar muito com você, princesinha. Vendendo você para um dos inimigos do seu pai, ou talvez como uma escrava nas cidades quentes do sul. Aposto que pagariam um bom preço por esses seus olhos azuis e essa pele rosada.

... o navio onde estava foi atacado por esses piratas. Os svaltar que a levavam lutaram e morreram. E estranhamente, Valla agradecia por isso: descobriu, depois de ser feita prisioneira, que eles a venderiam para o chefe de uma tribo rival. Não - não seria uma refém novamente. A palavra de ordem no momento era sobreviver.

- Eu posso ser útil pra você. Posso ler, escrever, e conheço sobre os costumes dos svaldar. E das colônias d'O Império. E posso aprender a lutar. E além do mais... eu posso aquecer sua cama à noite.

Ele parou de andar, encarando-a. Seus olhos castanhos pareciam querer invadir-lhe a mente, ler suas intenções. A dúvida, por fim, tomou voz:

- E quem me garante que eu posso confiar em você?

- E o que eu posso fazer? Me atirar no mar e esperar que as feras me devorem, ou coisa pior?

Era uma svaltar. Seu povo teve suas terras tomadas pelas legiões d'O Império, e os sobreviventes foram para a ilha de Isgard - um dos nomes dados ao lar dos deuses. Claro que aquilo era uma ironia - além do clima capaz de matar mesmo o mais forte dos guerreiros, a terra era inóspita e infértil. Os svaltar eram, na verdade, grandes sobreviventes. Singrando as águas geladas do Norte, eles atacam as fazendas, tomam o que precisam e vão embora. Rememorando as lembranças do seu povo, Valla não esperou resposta do capitão:

- Não, eu prefiro sobreviver.

- A vadia vai te trair, capitão.

Uma sombra se avantajava, descendo as escadas do compartimento de carga. Um homem magro, usando apenas calças sujas e um pano amarrado onde deveria estar seu olho esquerdo, revelou-se conforme se aproximava da luz trêmula do lampião. Um brilho disforme vinha de sua mão direita, e logo Valla percebeu que se tratava de uma adaga velha e enferrujada.

- Se eu trair você, pode me jogar no meio dos seus homens. Estou certa de que eles saberão como vingá-lo.

- Eu sei muito bem o que fazer com você, prostituta svaltar. Me dê ela, capitão. Olho por olho.

Enquanto falava isso tocava de leve o tecido manchado de vermelho que cobria a sua órbita recém-perdida. A vadia havia feito isso como presente de boas vindas, quando o pirata tentou tomar-lhe pela força.

- Faça isso e termino o serviço que eu comecei, te arrancando o outro.

- Dessa vez você vai estar de costas, cadela fria.

- Isso se conseguir me pegar, cão sardento.

E então William avançou, brandindo a adaga e mostrando seus dentes podres, saliva escorrendo pelos cantos. Valla saltou na caixa onde estava encostada, apenas para ver que, com um gesto simples do capitão, três homens o seguraram. Olhou para os lados, como um animal acuado, buscando mais algum ataque surpresa, que não veio.

- Fique tranquila, princesinha. Essa noite, você estará segura. Na minha cabine.

A Profecia da Chama Eterna

Uma vez mais a Chama Branca será acesa
O fogo que tudo queima será o prelúdio de uma nova era
A terra, a água e o ar se curvarão diante da chama alva
Suas labaredas queimarão as trevas, o caos e mesmo o fogo impuro
Quando isso acontecer, nascerá Alashtah,
O fogo que não se apaga, a chama imortal
O mundo, então, arderá
E mesmo as sombras derreterão
Terá surgido um novo tempo,
A Era do Fogo

3 de fev. de 2008

A Menina que Roubava Livros - Resenha

"Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler."

Uma pequena invasão, mas justificada. Há muito eu estou cadastrada no blog de Italo como habilitada a postar, e agora eu abuso desse poder a mim concedido. =)

Foi com grata surpresa que comecei a ler A Menina que Roubava Livros, em um sábado à noite enquanto minha anfitriã (pois estava dormindo na casa de uma amiga) tomava banho. Se um trailer de um filme deve convidar o espectador a assisti-lo, Zusak captura o leitor nas duas primeiras páginas. Um aviso sobre a nossa curiosa narradora, a Morte em pessoa, pode chocar alguns, mas em mim despertou uma estranha curiosidade:

"EIS UM PEQUENO FATO:
Você vai morrer."

Zusak não só dá cor a um narrador passional, como através de belas imagens nos conta a história de Liesel Meminger, uma garota que vive na Alemanha no período conturbado da Segunda Guerra Mundial. Em um trem, ela tem seu primeiro encontro com a Morte, embora não pareça estar ciente disso, e depois cruza com ela pelo menos três vezes, antes que chegue sua hora.

Com uma narrativa cheia de vais-e-vens, a Morte nos surpreende com fatos ainda a acontecer, atiçando a curiosidade do leitor. E como na vida de qualquer criança, há momentos felizes, há momentos dramáticos e há momentos tristes. Sem esquecer o menino da casa vizinha, aquele melhor amigo que nunca perde a oportunidade de pedir um beijo.

O livro é carregado de metáforas, tanto nas cores descritas - cores tão adoradas pela nossa narradora, que as utiliza como uma distração do seu árduo e penoso trabalho - quanto na própria capa: branco, preto e vermelho, cores que preenchiam a bandeira nazista. De modo coeso e comovente, Zusak nos guia pelas várias páginas dos livros que a pequena ladra surrupia.

A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak, Editora Intrínseca, 480 páginas, R$ 30,00.

Hmmn, acho que eu poderia ganhar dinheiro escrevendo sobre livros alheios. E fazendo suas vendas aumentarem (ou diminuírem).