...surviving.
- E o que eu vou fazer com você, hã?
O homem dava uns poucos passos enquanto falava, indo e voltando diante da jovem. Valla o seguia com os olhos, azuis-gélido como as mais altas montanhas do Norte. O som das botas surradas do capitão reverberava na sua mente, acompanhado de suas palavras.
- Não posso levar você para o seu pai, pois dificilmente terminaríamos a viagem. Vocês, svaldar, são um povo... difícil de lidar, às vezes.
Valla fechou os olhos, na tentativa de afastar aquelas palavras que não queria ouvir. Era uma svaltar - povo que vive em uma ilha no extremo norte, onde o clima é inclemente e a vida difícil. Filha de Vikar, um dos chefes das várias tribos, foi tomada sob a tutela dos padres de uma das colônias d'O Império. Mas sabia a verdade: era uma refém. Enquanto estivesse no monastério, as ações de seu pai seriam refreadas. E quando achou que estaria voltando para casa...
- Mas eu poderia ganhar muito com você, princesinha. Vendendo você para um dos inimigos do seu pai, ou talvez como uma escrava nas cidades quentes do sul. Aposto que pagariam um bom preço por esses seus olhos azuis e essa pele rosada.
... o navio onde estava foi atacado por esses piratas. Os svaltar que a levavam lutaram e morreram. E estranhamente, Valla agradecia por isso: descobriu, depois de ser feita prisioneira, que eles a venderiam para o chefe de uma tribo rival. Não - não seria uma refém novamente. A palavra de ordem no momento era sobreviver.
- Eu posso ser útil pra você. Posso ler, escrever, e conheço sobre os costumes dos svaldar. E das colônias d'O Império. E posso aprender a lutar. E além do mais... eu posso aquecer sua cama à noite.
Ele parou de andar, encarando-a. Seus olhos castanhos pareciam querer invadir-lhe a mente, ler suas intenções. A dúvida, por fim, tomou voz:
- E quem me garante que eu posso confiar em você?
- E o que eu posso fazer? Me atirar no mar e esperar que as feras me devorem, ou coisa pior?
Era uma svaltar. Seu povo teve suas terras tomadas pelas legiões d'O Império, e os sobreviventes foram para a ilha de Isgard - um dos nomes dados ao lar dos deuses. Claro que aquilo era uma ironia - além do clima capaz de matar mesmo o mais forte dos guerreiros, a terra era inóspita e infértil. Os svaltar eram, na verdade, grandes sobreviventes. Singrando as águas geladas do Norte, eles atacam as fazendas, tomam o que precisam e vão embora. Rememorando as lembranças do seu povo, Valla não esperou resposta do capitão:
- Não, eu prefiro sobreviver.
- A vadia vai te trair, capitão.
Uma sombra se avantajava, descendo as escadas do compartimento de carga. Um homem magro, usando apenas calças sujas e um pano amarrado onde deveria estar seu olho esquerdo, revelou-se conforme se aproximava da luz trêmula do lampião. Um brilho disforme vinha de sua mão direita, e logo Valla percebeu que se tratava de uma adaga velha e enferrujada.
- Se eu trair você, pode me jogar no meio dos seus homens. Estou certa de que eles saberão como vingá-lo.
- Eu sei muito bem o que fazer com você, prostituta svaltar. Me dê ela, capitão. Olho por olho.
Enquanto falava isso tocava de leve o tecido manchado de vermelho que cobria a sua órbita recém-perdida. A vadia havia feito isso como presente de boas vindas, quando o pirata tentou tomar-lhe pela força.
- Faça isso e termino o serviço que eu comecei, te arrancando o outro.
- Dessa vez você vai estar de costas, cadela fria.
- Isso se conseguir me pegar, cão sardento.
E então William avançou, brandindo a adaga e mostrando seus dentes podres, saliva escorrendo pelos cantos. Valla saltou na caixa onde estava encostada, apenas para ver que, com um gesto simples do capitão, três homens o seguraram. Olhou para os lados, como um animal acuado, buscando mais algum ataque surpresa, que não veio.
- Fique tranquila, princesinha. Essa noite, você estará segura. Na minha cabine.
Um comentário:
It's all about surviving. O título foi perfeito para a realidade da região.
Legal também ver o mundo dinâmico, onde os diferentes grupos tem interesses conflitantes: os colonizadores, os piratas e os svaltar (esses últimos ainda envolvidos em disputas internas entre as tribos). E o destino de Valla é permeada pelos interesses desses vários grupos.
No Norte, a luta não é do Bem contra o Mal; no Norte, a luta é pela sobrevivência.
Parabéns, menina. Ótimo texto.
Beijos.
Postar um comentário