16 de jul. de 2010

Prisão Perpétua

Era noite, estava escuro, mas Alex podia avistar a floresta a certa distância; não estava muito certo porque, mas era pra lá que deveria ir. Caminhou tranquilamente, recebendo de bom grado o vento frio que soprava daquele lugar; estranhamente, perambular pela mata àquela hora parecia algo normal. Os passos seguiram despreocupados até que a floresta ficou muito próxima e a escuridão se adensou. Procurou nos bolsos e descobriu que trouxera consigo uma lanterna, bastou um pequeno “click” para a paisagem se iluminar.

Não eram árvores, nem plantas ou arbustos... eram pessoas! Centenas e centenas de cadáveres amontoados formando bizarras esculturas semelhantes a árvores. Alguns corpos estavam mutilados, outros tinham a pele rasgada ou pareciam virados ao avesso. Muitos deles eram fundidos uns nos outros como siameses  - era difícil dizer onde terminava um e começava o outro.

Perturbado, Alex tentou segurar o vômito, mas foi em vão. Por mais que quisesse, também não conseguia fechar os olhos - as mórbidas criaturas pareciam encará-lo e em suas faces paralisadas haviam expressões de dor, tristeza, raiva e medo. Com passos vacilantes, o pobre homem avançou um pouco mais pela floresta até encontrar, em outra “árvore”, a figura de uma mulher com o estômago aberto e uma criança projetando-se assustadoramente para fora.

Alex correu o mais rápido que pôde, tudo o que queria era sair o mais rápido possível dali. Por um instante, ele pensou ter visto uma pessoa de preto sentada sobre um "galho" de braços e pernas, mas o medo não lhe permitiu olhar com mais cuidado. Quando o fôlego faltou, caiu de joelhos com a respiração ofegante.

“Não podem ser pessoas, não pode ser real...” Convenceu-se de que deviam ser apenas estátuas, criadas por alguém de mau gosto para assustar quem passasse por ali. Ousou encarar uma delas para provar que estava certo: observou por alguns minutos o pilar de corpos à sua frente até notar que o peito de um deles arqueava levemente. “Não é possível... estaria respirando?”

Enchendo-se de coragem, aproximou-se do cadáver e com a mão trêmula tocou-lhe o peito. A pele era fria ao toque, mas Alex pôde sentir claramente uma pulsação vindo de dentro. Estava vivo! Naquele momento, ele teve certeza de que estavam todos vivos. Os rostos passaram a fitá-lo nos olhos quando ele descobriu a verdade.

Possuído de medo, Alex correu ainda mais rápido do que antes, mas braços e pernas projetavam-se no caminho para deter o seu avanço. Algo agarrou o seu pé com força, fazendo-lhe cair ao chão e, por mais que se debatesse, era inútil resistir ao mar de mãos que lhe apertavam, arranhavam e puxavam... Alex sentiu que logo se tornaria um deles, preso para sempre naquele bosque macabro.

E então, ele acordou. Estava ofegante, suado e com as imagens ainda vívidas em sua mente. Olhou pela janela e viu o céu de Londres... estava em seu apartamento afinal. Saiu da cama e foi ao banheiro, encarou o espelho e viu um rosto cansado e com olheiras. “Que sonho maluco!”

- Meoooow.

Alex deu um pulo ao ouvir o estranho miado. Procurou a origem do som e tudo que viu foi um vulto passando de relance pela janela, parecia um grande gato preto. O coração batia disparado, mas ele tentava se recompor. “Calma, calma. Não há nada de errado, foi só um gato... e só um sonho.” Voltou-se novamente ao espelho e... havia um corvo em seu ombro!

Tentou espantá-lo, mas a criatura não se mexia. Na verdade, não havia pássaro algum em seu ombro, mas a imagem no espelho mostrava claramente a sinistra ave fitando-lhe ameaçadoramente. Antes que Alex pudesse correr, o corvo começou a bicar-lhe furiosamente, cavando buracos por todo seu rosto como uma tesoura afiada. Sentiu o sangue quente escorrendo enquanto pele, carne e olhos eram cortados e rasgados como papel. A dor dilacerante só aumentava, fazendo Alex gritar e contorcer-se... em vão.

...até que ele acordou mais uma vez. E assim prosseguia o Eterno Despertar, o ciclo infinito de pesadelos ao qual estava preso Alex Burgess. Este fora seu castigo por ter ousado aprisionar o Senhor dos Sonhos por muitos anos...


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Inspirografia:

- Sandman
- D&D, mais especificamente "As Infinitas Camadas do Abismo"
- Fatal Frame 2: Crimson Butterfly

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Esse é meu texto de Junho (obviamente atrasado) da Liga Narrativa. O tema desse mês foi “Masmorras, calabouços, prisões”. Segue abaixo o link para os textos dos outros membros:


Allana (Brainstorm) – Grilhões
Daniel (Dois contos) - In vitro
Erick Patrick (RPG do Mestre) – Lá no Fundo | Morrendo pela Boca
Juca 999 (Juca´s Blog) – Advogado do Diabo


3 comentários:

Jagunço disse...

Esse é um dos plots mais divertidos de Prelúdios e Noturnos. Gosto da premissa. Só acho que o final está mais pedagógico do que o necessário, aqui. Mas aí já é minha cutucada-de-leitor-chato. :)
Uma boa ideia de trabalho.

Allana disse...

Wow, gostei pra caralho. =D E não ligue pro Jagunço, ele é chato. =P

Não achei pedagógico não, curti mesmo. =] Só acho que o corvo podia ter bicado logo o olho dele. =D

Jessé disse...

Muito Bom!!

Parabéns pela criatividade!!